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domingo, 5 de maio de 2013

A Liberdade Como Ela É


Crónicas do Sabiah-Laranjeira

Parte 1

"Aproveitei o 25 de Abril de 2012 para voar por aí e encontrar amigos, trocar idéias, e encontrei o Priolo, amigo de algum tempo, e o Melro, pousados à beira de um telhado de uma casa antiga. Começamos a falar sobre os assuntos que se viam nas folhas da árvores de notícias, das quais a principal é o discurso do nosso presidente, o Falcão-Peregrino, com relação à imagem da República do Passaral no Exterior.
O Melro recordava o período anterior ao 25 de Abril de 74, quando por estas terras mandava o Bufo-Real uma ave de rapina, que não o manteve prisioneiro, mas reprimia com veemência qualquer tentativa de levante contrário às suas ordens. Nativo daqui, de Passaral, com 45 anos aproximadamente. Eu sou o Sabiá, imigrante, oriundo do Passaril, onde também vivemos período semelhante. Seus pais contavam-lhe que antes dessa ave ter subido ao poder quem o detinha era a Águia-Real, destituída pelas aves de rapina, os Gaviões, Falcões e Corujas que se rebelaram e tomaram o poder à força, inclusive com o assassinato da Águia-Real, instaurando assim a República de Passaral. Os gaviões acreditavam que essa era a forma de distribuir o poder entre todos os pássaros do reino. Mas as aves de rapina, num curto intervalo de tempo, já não se entendiam e começaram a disputar entre si o poder, acusando-se mutuamente de se corromperem. Intensificaram esta disputa e corromperam-se de tal modo que uma ave, aproveitou a oportunidade e tomou-lhes o poder e, durante quase de meio século, o manteve com bico de ferro.
Era um governo semelhante aos utilizados nas outras terras circundantes  ao Passaral e também nas restantes do mundo dos pássaros, e que, num dado momento, começaram a cair por todo o lado, assim, os gaviões daqui encheram-se de coragem e voltaram ao poder, mais uma vez prometendo às demais aves da nação a tão sonhada liberdade.
O problema é que durante aquele tempo, em que tantas nações estiveram subjugadas por poderes totalitaristas, uma terra longínqua, a Passérica, governada pela grande águia, patenteou a liberdade, assim todos que a quisessem precisariam comprar-lhes e determinou que se assim não fosse deveria ser imposta à força e, embora alguns resistentes não sucumbissem, tais quais Passaruba, os da União Passarética e alguns do continente Passaricano, foram submetidos a sanções que os deixaram à margem dos demais, e outros como o Passaraque, mais recentemente, foram invadidos pela águia, a título de não terem se rendido à sua liberdade.
O problema é que esta tal liberdade tem um custo elevado e, embora pensemos que sejamos livres, na verdade somos prisioneiros do poder da águia, e quando esta dá sinais de fragilidade as demais nações do mundo dos pássaros sentem, então vemos que nossa liberdade não vale muito se não temos o que comer, não temos onde morar, temos um sistema de saúde precário, uma segurança frágil, empregos instáveis, reformas baixas, educação fraca e algumas outras coisas débeis. É aí que descobrimos que, na verdade, esta é liberdade como ela é e percebemos que o que os gaviões têm para nos dar é mera ilusão, pois nestes 38 anos passados não temos nenhuma das garantias básicas da liberdade que nos foi prometida."

Sabiah Laranjeira



  
 


Parte 2

"O Priolo, que permaneceu calado a ouvir os relatos do Melro, revia na memória o período anterior àquele dia 25 de abril 1974. Ele viera, ainda menino da terra das aves marinhas, os açores. Em 1970, com apenas 17 anos, fora obrigado a ir para uma luta armada que Passaral travava com rebeldes nas colónias da Passáfrica.
Então, passou ele, a contar-nos sobre sua infância e adolescência. Parte da infância, na terra dos açores, talvez aos 8 ou 9 anos, dividia a vida entre o trabalho numa pedreira, a ajudar o pai, e a escola. Completou apenas a quarta classe na escola. Não havia proteção alguma para os pequenos pássaros naquela época. Pouco depois vieram para o continente, onde se instalaram numa herdade em que toda a família se engajou nos trabalhos na lavoura. Nunca mais voltou à escola.
A vida era difícil, sem perspectivas aparentes. As condições laborais eram precárias. Patrões despediam ao seu bel-prazer e, embora descontassem contribuições sindicais, não havia ninguém que defendesse os pássaros trabalhadores. A aquisição de bens era bastante restrita, pois a concorrência era inexistente, de forma que até bens essenciais eram escassos.
Um dia bateram à porta de sua pequena casa e o levaram para a capital e dali para uma das colonias, afim de defender o país dos rebeldes daquelas instâncias. Ele, assim como muitos priolos, pardais, estorninhos e outros tantos pássaros pequenos, embarcados num navio com um buraco enorme no casco, por onde a água entrava abundantemente e, em revezamento, eles, com recipientes os mais diversos, deitavam a água de volta ao mar. Foi assim até aportarem numa colónia  O terror dos dias vindouros já se avizinhava neste incidente. Já desde 1961 o Passaral debatia-se com os rebeldes das colónias e, embora o Bufo-Real teimava em afirmar, suprimindo veementemente notícias contrárias, que as coisas estavam bem, o fracasso era evidente à medida que passavam os anos e cada vez mais jovens eram convocados para essa batalha sem nexo.
Pus-me a pensar, enquanto ouvia o Priolo, se estamos de alguma forma, em situação diferenciada daquela. Pensei nos jovens nas escolas, onde o aprendizado é tão famigerado que, muito provavelmente, a quarta classe do Priolo valeria tanto quanto a uma nona classe de hoje. Pensei nas condições laborais de agora que são tão, ou mais, precárias que aquelas, pois naqueles tempos, ainda que miseráveis, havia oferta de emprego sempre. Pensei que embora tenhamos opções de aquisição de bens, os temos à duras penas. E por último a guerra que, agora, somos convocados, nós, os pequenos e humildes pássaros, a travar com os opressores económicos gigantes que, à semelhança da guerra do Ultramar, é fora criada pelas inescrupulosas aves de rapina, ávidas pelo lucro farto, devoradoras dos pequenos e frágeis passarinhos."


Sabiah Laranjeira







Parte 3

"A tarde deste 24 de abril se vai.
Pardais se agromeram no Café Plátano que fica na esquina da rua. O alvoroço me chama a atenção. Conhecia alguns e me aproximei para saber o motivo de tanta alegria.
A resposta veio em coro: - Amanhã é feriado!
Olhei para aquelas caras felizes, cada qual com seu copo à mão. A tv anunciava o grande jogo da noite e discussões se acirravam nas mesas; cada qual mais exaltado que o outro.
A uns poucos, que se mantinham à porta, tive a ousadia de perguntar-lhes o que representava aquele feriado para eles. De um ouvi que era um belo dia para descansar. Outro disse que iria pescar, os demais só concordaram. Resolvi diluir a pergunta. O que pensam vocês sobre o 25 de abril, o que representa? O levantar de ombros foi sincronizado. Um misto de perplexidade e ignorância diante da pergunta. Um deles resolveu esboçar o que sabia e o que representava para ele. Foi o dia que o país se viu livre de um ditador. Um dia que prometeu liberdade ao povo. A revolução dos cravos disse ele. Mas complementou dizendo e questionando a mim, a ele próprio e aos demais.- De que adiantou? Onde está a tal da liberdade?
O contra-argumento daquele pardal me pegou de surpresa. Realmente é para se pensar. Onde está?
Pensei em dizer que ela está aprisionada na própria ignomínia do povo, que se encanta com as luzes e as cores do consumismo. Está atracada na mente daqueles que pensam no agora e não no futuro. Está nos bolsos do que lutam por cores de clubes, por bilhetes de concertos, por férias de veraneio e por quem tem a viatura mais potente, do que por um Passaral mais justo, mais aconchegante para nossos filhos.
Pensei em dizer-lhe que a liberdade está presa nos cofres dos bancos, junto aos títulos dos endividados. Está lacrada nas urnas eleitorais onde uma minoria deposita o voto. Que está no marasmo de um povo que se conforma com o fado, uma taça de vinho e um pão dormido.
Mas para que dizer isto? Justo eu, um pássaro estrangeiro?
Eles não entenderiam mesmo.
- Uma imperial se faz favor, foi tudo o que eu disse estendendo o dedo ao empregado de mesa.
Imperial, será que lá está a liberdade?"


Sabiah Laranjeira







Parte 4

"O Melro Azul, um dos soldados, que no terreiro estava naquela manhã de 25 de abril de 1974, começou a contar-nos o que se passara.
O Bufo-Real, moribundo debatia-se, estava fadado à morte, mas relutava, não queria partir. Um cheiro nauseabundo, de morte, já pairava no ar, uma música de despedida ouvi-se ao longe. O golpe de misericórdia é desferido pouco depois da meia-noite, o odor podre, do tal defunto, se espalha.
Uma Felosa-Ibérica distribui cravos vermelhos, o cheiro destes se propõe a esvair o nauseante odor que teima em permanecer. O defunto ainda levou consigo quatro Pardais, e ainda feriu mais quarenta e cinco, que naquela tarde se alvoroçaram numa rua de pedras. Pardais e outros pássaros surgiram em todo o lugar, mil, dez mil, milhares, mais, muito mais, espalharam cravos, enfeitaram as ruas, espalharam sonhos.
Num instante, o Melro Azul começou a declamar uma homenagem àqueles que com ele lutaram.

Naquela madrugada de Abril, os soldados saíram à rua.
Eram comandados por um capitão valente, e seus ideais eram nobres.
Isso ninguém desmente.

O nome desse capitão era Fernando, Maia o apelido,
Esse homem já nos deixou, mas jamais será esquecido!

Os soldados invadiram o Terreiro do Paço, no cumprimento da sua missão.
No Tejo, uma fragata ameaçava, Mas nada aconteceu, graças à sua tripulação.

Portugal era um país que vivia acorrentado.
O povo era infeliz, pois era triste o seu fado.

Muitos jovens perderam a vida, na guerra do Ultramar.
Deixaram os entes queridos, no Continente a chorar.

Abril, Abril…Mês do nosso coração.
No peito temos cravos a florir, e nos lábios a nascer uma canção!

As lágrimas vieram aos olhos do amigo Melro Azul. Eu entendia o motivo, já havia passado por isto. Lutar, oferecer a vida por uma nobre causa e, mais à frente, ver o estado vergonhoso que os Abutres e Aves de Rapina, em tão pouco tempo, destruíram. Ver aqueles que noutros tempos eram heróis da resistência, corrompidos e corruptores da sociedade. Ver o povo apático ante as moléstias que estes causam e apenas dizerem: - Ufa, enfim um feriado!

Poema extraído de
http://meioseculodeaprendizagens.blogspot.pt/2010/04/25-de-abril-de-1974-viagem-ao-passado.html
Por José Alexandre Henriques."


Sabiah Laranjeira



Parte 5

"O odor nauseabundo, que no terreiro estabeleceu-se desde no início do século, espalhou-se. Os cravos não se conservaram, murcharam, seu olor não permaneceu. Seu pólen ficou retido, as aves de rapina, abutres que esperavam o perecer do Bufo moribundo, apossaram-se do terreiro e, se alguma semente ficou, foi por eles devorada, se em algum vaso alguém plantou um daqueles cravos foi arrancado e pisado por eles.
Gaivotas tagarelas defecaram no terreiro, Corujas, Gaviões e outras aves de rapina espantaram os Melros, as Felosas, os Pardais. Engazoparam os pássaros com promessas vãs. Como ilusionistas num palco, levaram-os a pensar que eram eles a sua salvação. Que eles é que saberiam conduzir a nação pelos ventos da liberdade.
Levados pelo anseio das posses, de bens inacessíveis, até então, estes pequenos e, antes, oprimidos pássaros, tornaram-se vorazes consumidores, individualistas, perderam o olfato, não mais sentem o cheiro dos cravos, perderam a visão, não vêem mais sua viva cor vermelha. Perderam as forças e, mais uma vez a Águia impôs sua famigerada "LIBERDADE".
Somos livres para beber Coca-Colas e comer BigMac's, vestidos de jeans e calçados de Allstar, isto era tudo o que queríamos, mas até quando, até quando???
Ainda bem que agora temos as lojas dos chineses..."


Sabiah Laranjeira



 


4 comentários:


  1. Parte 1

    ADOREI esta crónica! :)

    NUNCA deveremos parar de lutar pela liberdade! É um DIREITO e um DEVER de cada cidadão! :)

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  2. Parte 2

    Grandes VERDADES leio aqui!

    Nunca poderemos esquecer-nos que um bando de MILHÕES DE PASSARINHOS UNIDOS, tem MUITO MAIS FORÇA do que MEIA DÚZIA de aves de rapina! Pensemos nisso! :)

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  3. Parte 4

    "Abril, Abril…
    Mês do nosso coração.
    No peito temos cravos a florir,
    E nos lábios a nascer uma canção!"

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  4. Parte 5

    REFLICTAMOS!

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